Adolfo Schneider e Elly Herkenhoff – a vida dedicada a preservar a história de Joinville

Além de serem joinvilenses e descendentes de imigrantes que chegaram na Colônia Dona Francisca, Adolfo Bernardo Schneider e Elly Herkenhoff têm muitas mais coisas em comum. Ambos foram memorialistas e se dedicaram a pesquisar, traduzir e preservar a história de Joinville e da região – e devemos a eles muito do que conhecemos hoje sobre este passado. Além disso, ambos nasceram em janeiro de 1906 e, se estivessem vivos, estariam completando 117 anos agora, em 2023.

“Os escritos deles são básicos para nós. Eles abriram o caminho”, conta a historiadora Raquel S. Thiago, falecida no fim do ano passado (2022), lembrando que ambos são de uma geração de filhos de imigrantes, que tinha essa história ainda muito presente, falavam alemão e compartilhavam os valores de seus antepassados – e por isso o tom ufanista de seus discursos, uma vez que ainda tinham a lembrança dos desafios e dificuldades vencidos pelos pais. “A historiografia começou com essa geração e se transformou com o tempo. Mas é necessária. Ela é ufanista, mas justificada”, destacou a historiadora, que teve uma convivência próxima com Elly Herkenhoff no final da vida da memorialista.

A foto principal é a Rua do Príncipe, em 1905 (Acervo Arquivo Histórico de Joinville)

Elly Herkenhoff

Nascida em 15 de janeiro de 1906, Elly era a caçula do casal Mathias e Emma Herkenhoff e cresceu em um ambiente onde a cultura – especialmente a música - era valorizada. Sua mãe era nascida Kohlbach, de uma conhecida família de músicos da região, e seu pai também era músico e um dos membros fundadores da Sociedade Musical Lyra (que posteriormente se uniria à Harmonie e daria origem à Harmonia Lyra), de acordo com dados do livro “Personalidades da Cultura Germânica em Joinville”, da jornalista Nelci Seibel. Talvez desta convivência com a vida cultural venha a sua face menos conhecida atualmente: a de poetisa e contista.

A família Herkenhoff (a partir da esquerda) em foto de 1916: Arno, Rosa, Mathias (pai), Melanie, Emma (mãe), Elly e Alfredo (Foto: Acervo AHJ)

Mas foi como tradutora e memorialista que “dona Elly”, como era chamada, deixou sua marca. Ela passou boa parte de sua vida adulta longe de Joinville e quando voltou para a cidade, no início dos anos 1970, dedicou-se a pesquisar a história local publicando livros e artigos sobre o tema. Entre seus muitos livros, alguns são referência na pesquisa genealógica de antigos imigrantes da região e no conhecimento dos primeiros tempos da Colônia Dona Francisca. Um exemplo são os volumes 6 e 7 da série “Famílias Brasileiras de Origem Germânica”, editada pelo Instituto Hans Staden, de São Paulo, que registra a genealogia das famílias que imigraram para Santa Catarina. O volume 6, ela coordenou e redigiu juntamente com a irmã Rosa Herkenhoff e, o volume 7, foi concretizado em parceria com a tradutora joinvilense Maria Thereza Böbel.

Dona Elly falava alemão (chegou, junto com a irmã, a elaborar um método de ensino para o idioma), inglês e francês e pesquisava diretamente nos exemplares do Kolonie-Zeitung, o antigo jornal da Colônia Dona Francisca. Com isso, resgatou conteúdos que deram origem a livros como “Era uma vez um simples caminho...”, “Joinville Nosso Teatro Amador”, “Joinville Ontem e Hoje” e “Imprensa de Joinville”, além, é claro dos artigos de jornal.

A historiadora Raquel S. Thiago foi diretora do Arquivo Histórico de Joinville entre 1986 e 89 e conviveu com dona Elly, que costumava passar as tardes no arquivo, envolta em suas muitas pesquisas. Ao longo dessas tardes, as duas cultivaram uma amizade que extrapolou o local de trabalho e durou até os últimos dias da memorialista. Dona Elly já era idosa na época e na gestão do ex-prefeito Pedro Ivo um motorista a levava diariamente para o arquivo. “Debruçava-se sobre o jornal e de vez em quando chamava para dividir algo”, recordou Raquel que, ao final do dia, a levava para casa. Nessa época, a irmã Rosa já havia falecido e a memorialista vivia sozinha. “Nos fins de semana ia lá, passeava com ela de carro”, contou, acrescentando: “Era muito educada, mas tinha suas opiniões, uma personalidade forte.”

Dona Elly faleceu em setembro de 2004, aos 98 anos. Foi apagando aos poucos. “Foi ficando de cama e depois perdeu a lucidez. No final, não me reconhecia mais. Estava cansada”, relembrou a amiga.

Adolfo Bernardo Schneider

Adolfo Schneider com o pai Karl Schnieder, da Casa do Aço, em 1925 (Foto: Acervo pessoal de Adolfo Schneider)

Naquele mesmo mês de janeiro de 1906, uns dias antes, no dia 6, nascia outro nome fundamental na preservação da história de Joinville: Adolfo Bernardo Schneider. Com suas memórias de menino, ele fez um importante registro do dia a dia da Joinville do início do século 20. Escreveu também sobre história regional e peças de teatro. Mais que isso, ao longo das décadas de 1960, 70 e 80 articulou a criação de espaços destinados à memória regional, como o Arquivo Histórico de Joinville e o Museu do Sambaqui, além de participar desde os primeiros tempos da Comissão de Voluntários do Museu Nacional de Imigração e Colonização. Também foi fundador, presidente e durante anos o principal estimulador da Academia Joinvilense de Letras (AJL).

Leia mais: “Trintanos” do Arquivo Histórico de Joinville

Assim como Elly Herkenhoff, Adolfo Schneider também era o filho caçula de uma família de imigrantes. Seu pai, Karl Schneider, chegou na antiga Colônia Dona Francisca em 1881 e fundou a Casa do Aço, tradicional estabelecimento na rua do Príncipe. Como tantos jovens de sua época, saiu da cidade para aprofundar os estudos, foi para Florianópolis e depois para a Alemanha, onde se formou na Escola Superior de Comércio, em Hamburgo. Quando voltou, no final dos anos 1930, ingressou nas Indústrias de Germano Stein, onde trabalhou por mais de três décadas. “Com o passar dos anos sua seção virou uma verdadeira Escola de Comércio”, escreveu a historiadora Iara Andrade Costa, em sua dissertação de mestrado “A Cidade da Ordem: Tensões Sociais e Controle”.

Nos anos 70, já aposentado, Adolfo Schneider somava inúmeras publicações sobre a história regional, como “A História da Fundação de Joinville”, “A Odisseia dos Noruegueses”, entre outros. Mas a partir desse período ele teve expressiva atuação na criação e consolidação de instituições voltadas à preservação da memória. “Organizou o Arquivo Histórico de Joinville, catalogando e buscando as documentações para reunir as fontes da História de Joinville”, destaca a historiadora em sua dissertação, lembrando que ele também colaborou na escrita da trajetória das antigas sociedades da Colônia Dona Francisca, como a Harmonia Lyra, a Sociedade Ginástica e a Sociedade de Atiradores.

 

Romilda Kraemer, a Romi, trabalhou na casa de Adolfo Schneider por mais de 20 anos, até o final de sua vida, em 2001. Ela conta que todos os dias (inclusive sábados e domingos), ele subia para o seu escritório, no sótão da casa rosada onde viveu desde os anos de 1930, e se dedicava às suas pesquisas e escritos. Nesse período, escreveu seus livros de memória, que contam as lembranças do menino de 10 anos na Joinville da década de 1910. Lá ele também escrevia as inúmeras cartas através das quais buscava informações em arquivos de outros países e cobrava as autoridades locais sobre aspectos da cidade. “Ele dizia que era 'minha faculdade particular'”, recorda Romi, referindo-se ao seu escritório e biblioteca no sótão, que até hoje permanece como ele deixou, há 14 anos.

Com mais de 90 anos, Adolfo Schneider ainda cuidava pessoalmente da contabilidade de seus negócios e continuava suas pesquisas sobre história. Nesta época já sofria com um câncer que aos poucos foi tirando a sua mobilidade e reduzindo a coordenação motora. Faleceu em casa, aos 95 anos, em 19 de julho de 2001. “Minha filha estava com ele; ele falou umas três vezes que estava indo. Eram umas 10 da noite. E foi naquele instante”, recorda Romi.

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