Coral Concórdia_Acervo Valéria B. Antonio

Coral Concórdia e as vozes do passado

Grupo nasceu em 1887, a partir de uma ruptura do pioneiro “Helvetia”, e esteve em atividade até o fim da década de 1930

Cantar é preciso. E desde os primeiros tempos da fundação oficial da Colônia Dona Francisca, os imigrantes que nela chegavam, cantavam. Em 1855 já surgia a primeira associação voltada para o canto coral, a “Sociedade de Canto Helvetia”. Três décadas depois, uma desavença entre seus integrantes levaria à criação de uma nova sociedade de canto, sob o simbólico nome de “Concórdia”. O coral atuou na cena cultural joinvilense durante décadas, e se calou - como tantos outros – no final dos anos 30, durante a campanha de nacionalização promovida pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas e o início da segunda grande guerra.

O “Helvetia” foi marcado por divergências desde o seu início e suas dissidências contribuíram para ampliar a quantidade de grupos de cantores na cidade. Conta a pesquisadora Elly Herkenhoff, em seu livro “Era uma vez um simples caminho”, que o coral pioneiro foi fundado por um grupo de imigrantes de origem suíça e teve como primeiro regente Franz Müller. O número de associados cresceu rapidamente, com a adesão de pessoas de outras origens. “Foram-se juntando companheiros alemães, cada vez em maior número, o que acabou gerando divergências em torno da denominação 'Helvetia', considerada inadequada a uma sociedade de canto, ainda mais composta, como era, de cantores alemães e suíços”. A sugestão de trocar o nome foi rejeitada e houve a primeira ruptura, com a criação de uma nova associação, a “Sängerbund”, Liga de Cantores. Em pouco tempo, porém, as duas estavam se apresentando em parceria.

Os corais foram se multiplicando na Colônia Dona Francisca e na década de 80 do século 19 já havia pelo menos seis deles, sem falar nos coros da igreja luterana. Em 1887, um novo desentendimento no “Helvetia” motivaram a saída de alguns participantes, que decidem fundar a sua própria sociedade. Surge, então, em seis de novembro de 1887, a “Concórdia”, sob a regência de Franz Muller. Em “Era uma vez um simples caminho”, porém, não fica claro se esse Franz Müller era o mesmo que trinta anos antes foi o primeiro regente do “Helvetia”, ou seu filho, que também participava do coral e tinha o mesmo nome. O certo é que muito mais tarde, nos registros de comemoração dos cinquenta anos de fundação da associação, citados no livro, Müller era descrito como “um simples colono, que se distinguiu pelo extraordinário talento musical”. Neste relato, consta que no início não havia nenhum instrumento musical. Sem recursos para comprá-los, o jeito foi usar a criatividade e a força de vontade. “O sr Müller, no entanto, meteu mãos à obra, substituindo os instrumentos inexistentes pela dedicação e pelo seu grande talento. Após cada dia de trabalho extenuante, aproveitava as horas da noite para copiar as músicas e as letras indispensáveis aos seus companheiros do coral...”, consta no relato transcrito por Elly Herkenhoff.

Em 1891, porém, houve nova cisão no coral. Na época, o grupo ensaiava na casa de Johann Müller, no alto da rua 15 de Novembro, e surgiu a proposta de mudarem as reuniões para o centro da cidade. A proposta foi colocada em votação e deu empate. A decisão, então, ocorreu por meio de um sorteio e ficou definido que a nova sede seria no Centro. O grupo se separou e surgiu a “Concórdia 1” e a “Concórdia 2”, com direto a discussão para ver quem ficaria com o nome, os móveis e até o estandarte. “E assim, durante 18 anos, até junho de 1909, Joinville teve 'Concordia 1 e 'Concórdia 2' – ou 'Concórdia' e 'Concórdia zu Joinville'”, explicou Elly Herkenhoff em seu livro.

Todos juntos na Liga de Sociedades

A rotina de rupturas teve fim em setembro 1922, com a criação da Liga de Sociedades de Joinville, um marco na vida cultural da cidade. Após mais de dois anos de tratativas, ela reunia algumas das mais tradicionais sociedades da cidade – a maior parte culturais, mas algumas também recreativas: Sängerbund e Concórdia (de canto), Nur für Uns (Só para Nós, sociedade de teatro amador), Gemütlichkeit (Aconchego) e Einigkeit (União). A finalidade era simples e descrita no estatuto que consta no Arquivo Histórico de Joinville: “Proporcionar aos seus associados até 20 festejos annuaes, aos quais os sócios com suas famílias terão livre ingresso, mediante pagamento da quota mensal; cuidar da cultura espiritual dos sócios por meio da creação de uma bibliotheca (sic)”.

A Liga logo se consolidou como local de cultura e lazer. Ela adquiriu o Salão Kuehne, na rua Jaguaruna, e passou a sediar os ensaios, apresentações e festejos de seus associados. E, mais tarde, em 1932, as duas sociedades de canto, Sängerbund e Concordia se uniram, formando a “Sängerbund-Concórdia”.

O coro da ópera “Yara”

Em 1936, a “Sängerbund-Concórdia” participou de um momento que marcou a história cultural de Joinville: a montagem de “Yara”, do maestro Pepi Prantl, considerada a primeira ópera joinvilense.

Prantl já morava na cidade desde o final de 1929, esteve à frente de inúmeros concertos e participou do concerto de abertura do novo prédio da Harmonia-Lyra, em dezembro de 1930, junto com o maestro Paulino Martins Alves. Mas foi em 1936 que ele concretizou a montagem da ópera, baseada no libreto de Otto Adolf Nohel e com músicas de sua autoria.

A montagem contou com a presença de diversas instituições culturais da cidade e – muito – trabalho voluntário. No palco da Harmonia-Lyra, as músicas foram cantadas por Lotte Prantl e Hedwig Pfuetzenreuter A orquestra era a da Harmonia-Lyra, mas com a presença de músicos da Filarmônica de Curitiba e do 13° Batalhão de Caçadores. E o coro reuniu no mesmo palco os cantores da “Sängerbund-Concórdia” e da “Helvetia”, em um momento de parceria.

No final do ano seguinte, a “Sängerbund-Concórdia” comemorou os 50 anos de criação do coral Concórdia e cantou no novo prédio da Liga (reconstruído após o incêndio de 1936) novamente junto com o “Helvetia e outros grupos da cidade e região.

Estes corais, com repertório em alemão, não iriam muito adiante. Com a campanha de nacionalização promovida pelo Estado Novo e a coibição do uso do idioma, as sociedades foram se calando no final dos anos 30, início dos anos 40. “Diante da impossibilidade de uma adaptação imediata às novas disposições governamentais (…) foram se extinguindo muitas sociedades, entre as quais quase todas as agremiações de canto coral”, recorda Elly Herkenhoff em seu livro.

A foto que abre o post é do  Coral Concórdia, na década de 1920. Acervo de Valéria Busch Antonio

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